A viagem de São Benedetto Po (Itália), cidade natal das famílias dos irmãos Romoaldo e Giuseppe Ghisi, até a Colônia de Azambuja, foi realizada através de carros de boi, trens, navios e muita caminhada, conforme pode ser observado nos trechos abaixo do livro “As Faces da Vida – Os Graciola“, de José Francisco Graciola, pela Editora Komedi, Campinas, em 2006.
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O destino era o Porto de Le Havre no norte da França.
Os portos mais seguros para embarque eram os franceses, porque na Itália uma circular do ministro Lanza em 18/01/1873 exigia muitas formalidades aos imigrantes. Além disso, quem partia da França, era favorecido, pois a legislação francesa, ao contrário da italiana, previa que a bordo dos navios houvesse a presença de médicos e remédios. Eis porque, especialmente entre 1875 e 1876, as partidas para o Brasil aconteceram sobretudo de Marselha e Le Havre. As passagens eram gratuitas. Em fins de 1876, as partidas de Gênova tinham se tornado mais frequentes em detrimento dos portos franceses.
Em 1878, houve suspensão dos contratos entre o governo brasileiro e os empresários engajadores e com isso se acabou a gratuidade das passagens.
A cidade de Rovereto era o encontro de todos os imigrantes dos vales trentinos.
Chegavam de diversas localidades, quase sempre conduzidos por carroças ou carros de boi. A estação ferroviária estava lotada de imigrantes carregados de bagagens e lembranças. Alguns levavam garrafas de vinho, outros sementes para plantar na nova terra, outros ainda portavam ferramentas ou utensílios de cozinha
O trem então partiu para a cidade de Verona. Lá chegando, conseguiu-se uma vaga em uma hospedaria para passar a noite. As crianças precisavam descansar. Em Verona, também se juntaram alguns vênetos.
No outro dia pela manhã, a viagem prosseguiu com destino à cidade de Modane, já agora em território francês.
À tarde, a partida com destino a Paris.
A viagem prosseguiu atravessando todo o território francês e, ao entardecer do dia seguinte, avistou-se Paris.
Por volta das 11 horas da noite, partiu o trem de Paris com seu destino final: o Porto de Le Havre.
Na manhã do dia seguinte, a chegada ao porto.
O canal da Mancha. Formavam-se grupos de pessoas com afinidade de origem, dialeto ou então parentesco. Uma sirene estridente quebra o torpor da manhã. Era hora da apresentação dos documentos para o embarque. As pessoas se aglomeravam, muitos eram tomados pelo pânico e relutavam em embarcar.
Começa o embarque. Eram muitos imigrantes. Haviam muitas dificuldades com as autoridades francesas, que não falavam a língua italiana e precisavam da ajuda dos agentes.
Era grande o risco de epidemias, principalmente a varíola, que vitimava quase sempre velhos e crianças. Havia também o antigo temor das tempestades em alto-mar.
Depois de algumas horas, estavam todos a bordo, tragados pelo gigante de aço. A maioria trentinos, mas também vênetos e lombardos.
Os alojamentos não eram adequados e suficientes. A passagem de terceira classe não poderia prover-lhes melhor sorte. Enfim, todos se acomodavam nos beliches, alguns colocam os colchões no chão. Amontoam as malas e sacolas em qualquer espaço disponível. À noite, deveriam permanecer separados por sexo: os homens de um lado e as mulheres, crianças e bebês de outro.
Aos poucos o vapor vai deixando o Canal da Mancha em direção ao Atlântico Norte. Agora só se avista céu e mar. Passados alguns dias, o capitão avisa que estão próximos à Ilha da Madeira, já nas costas da África. A água existente é basicamente para beber. A comida quase sempre consistia de uma sopa rala de batatas e massa condimentada com toucinho. Fazia-se acompanhar por um naco de queijo curado que haviam trazido na bagagem. Pela manhã, um café invariavelmente muito fraco…
Diminuiu bastante o forte cheiro de vômito dos primeiros dias, com a adaptação aos balanços do navio. Os dias são longos. Chegam notícias de óbitos, outras notícias de pessoas adoecidas e de crianças e velhos que padecem. A religiosidade os fortalece, são famílias essencialmente católicas e, ao cair da tarde, participam de forma compenetrada e intensa das orações e dos cânticos. Os dias continuam muito compridos e as noites intermináveis. Finalmente em um entardecer, chega o aviso vindo da cabine de comando: no dia seguinte deveriam chegar ao Rio de Janeiro.
O desembarque no Rio de Janeiro.
Começa o procedimento de desembarque. São apresentados os documentos perante as autoridades brasileiras. Sobem a bordo as autoridades sanitárias. Médicos e enfermeiras fazem a vacinação dos imigrantes. São em seguida conduzidos e alojados na Hospedaria dos Imigrantes, antigo depósito de mercadorias do porto do Rio de Janeiro. As condições da hospedaria são muito precárias. Faltavam intérpretes para fornecer as devidas informações e a estrutura era muito deficiente. A febre amarela já se tinha instalado na capital brasileira e vinha vitimando muitos estrangeiros.
Reunidas na hospedaria, todas aquelas famílias que juntas tinham atravessado o Atlântico embarcariam novamente em uma curta viagem, com destino ao sul, ao Porto de Itajaí. Naqueles anos havia quatro navios que realizavamo transporte da capital brasileira para as províncias do sul: o Calderon, o Purus, o São Lourenço e o Werneck, que era um navio de transporte militar.
No início de novembro daquele ano de 1876, chegavam a Desterro (Nossa Senhora do Desterro, antiga denominação de Florianópolis) e dali ao Porto de Itajaí. No porto foram alojados nas casas de recepção. Eram construções de madeira, com aspecto pouco atraente, com pouco conforto, que abrigariam os imigrantes por pouquíssimo tempo até serem conduzidos ao agente de colonização, que os conduziria ao seu destino final.
Seguem a pé ou em carroças puxadas por bois, lentamente pelas trilhas (picadas) abertas no ano anterior…

Em 02/08/1877 o Vapor HENRI IV sai do Porto de Le Havre com destino ao Porto do Rio de Janeiro, o qual chega em 02/09/1877. A bordo se encontravam a família dos irmãos Romoaldo e Giuseppe Ghisi, filhos de Antônio Ghisi e Domênica Pedrazzoli.





Romoaldo Ghisi, 41 anos.
Santa Stefanini, esposa, 40
Maria, filha, 17
Guerina, filho, 11 (Correção: Gherino)
Mauro, filho, 8
Amadeo, filho, 6
Ester, filho, 2
Ignazio, filho adotivo, 11 (filho de Ignazio Ghisi e Adelaide Magnani) *
Domenica Pedrazzoli, mãe, 52 (Correção: 62 anos)

* Não se sabe exatamente a causa, mas Romoaldo Ghisi e Santa Stefanini adotaram essa criança como filho legítimo, conforme descrito no registro de Óbito de Santa (imagem abaixo).


Giuseppe Ghisi, 39 anos.
Maria Zapellini, esposa, 34
Angela, filha, 7
Adelina, filho, 5 (Correção: Delelmo)
Amabilia, filha, 12 meses (Correção: Amabilia Catterina)

Observação: Alguns nomes e idades foram informados de forma incorreta na lista, por isso a correção entre parênteses.
Vapor HENRI IV – Relação de passageiros 02091877
Após chegarem no Rio de Janeiro, mudaram de Vapor e vieram até Desterro (Florianópolis).
Com destino à Laguna, seguiram embarcados nos paquetes (Pequenas embarcações costeiras) e chegando lá seguiram com grandes canoas fretadas até o Porto de Morrinhos, em Tubarão. Desse ponto, deixaram os barcos e foram até Poço Grande, onde após aguardarem alguns dias nessa região a espera de carros de boi para levarem as bagagens, seguiram durante 12 dias costeando o Rio Tubarão até Pedras Grandes.
Por fim, fizeram o último trecho até a Colônia de Azambuja a pé, com suas bagagens nas costas e em algumas mulas compradas.

Veja a seguir um vídeo muito legal do Eusébio Pasini Tonetto, que fala sobre essa chegada dos imigrantes.
Curiosidade!
Alguns meses depois da chegada das famílias de Giuseppe e Romoaldo Ghisi ao Brasil, outro membro da família chegou da Itália em dezembro de 1877, no mesmo navio Henri-IV. Seu nome? Giuseppe Ghisi!
Apesar de seu nome constar na lista de passageiros como “Guiseppe”, provavelmente foi apenas um erro de digitação. Diferentemente do Giuseppe que chegou em setembro de 1877 com 39 anos, este chegou com 27.
Este navio chegou ao Brasil com 531 passageiros! Sendo um bebê que nasceu durante a viagem.


Fontes:
AZAMBUJA E URUSSANGA – Memória sobre a fundação, pelo engenheiro Joaquim Vieira Ferreira, de uma colônia de imigrantes italianos em Santa Catarina. Desembargador Fernando Luís Vieira Ferreira.
http://telmotomio.blogspot.com.br/2012/09/post-87-imigrantes-da-colonia-azambuja.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%B4nia_Azambuja
http://familiadallapegorara.blogspot.com/p/imigracao-italina-no-brasil.html
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/172360
https://sian.an.gov.br/